20 de jun. de 2012

Alguma conjugação

Limando amor.

Num passado com imperfeição,
eu
amava assim: eu te amava. Mas
tu
amavas nutrir tola ilusão por
ele.
Amava, ele, outro; era fato.
Nós
amávamos, então, o que no fim era inalcançável.
Vós,
amáveis leitores, são testemunhas de que
eles
amavam flechas de um Eros bufão.
Após sobreviver ao recente ontem,
eu
amei e aprendi – posso enfim dizer.
Tu
amaste te escorrer pelos dedos d’
ele;
amou, tal calhorda, fazer-te corda cheia de
nós.
Amamos, meu querido, terceiras margens de rios.
“Vós
amastes o erro!”, bradaram-nos.
Eles
amaram-nos cegos.
Com as todas minhas fibras, hoje
eu
amo; a mim.
Tu
amas ainda, coitado, aquele
filho-de-puta.
Ama o desamor o covarde de si mesmo.
Nós
amamos, pois, o que merecemos.
Vós
amais agora por aprender que
eles
amam, sim; o que lhes convém, porém.

Resultado: indicativo de dor.

Mergulhão

(sem título) (ou Agonia em estado de graça)


É tão triste se sentir incompleto.
Todos cantam ao redor da aparente alegria. Aos outros, tudo é colorido. E brilha!
Não que eu desdenhe a não solidão alheia. Não; já superei essa fase. O inquietante é a pergunta interna que teima em me lembrar não ter ainda resposta: nasci pra ser sozinho mesmo?
Onde está meu direito de uma utopia onírica ou qualquer ilusão digna de Werther? Nem seria necessário ter estilo Jack e Rose em proa de barquinho fracassado ou Montéquios e Capuletos a brincarem de cicuta – não faz meu gênero.
Essa lamúria não mais surte efeito em mim. O que me domina então é o medo de acabar em cem anos de mútua mudez íntima ou Macabéa de mim mesmo apenas esperando a hora do estrelato. A falta do verdadeiro tato recíproco corrói.
Eu só queria ter o prazer puro de admirar seu silencioso sorriso por horas. Eu só queria poder testemunhar seus olhos escuros abrindo à luz de cada alvorada. Eu só queria acariciar-lhe o rosto, meu espelho à la Narciso, no qual me identifico. Eu só queria tomar-lhe em meus abraços num abraço terno. Eu só queria seu calor em noite chuvosa de domingo ao som de uma versão ininterrupta de Comptine d’un autre été.
Eu só quero tê-lo.
Pois é o complemento a minha melhor doação.
Confronta minha sanidade a capacidade de ser humano e amar. E sofrer. Mas regozija meu ceticismo o fato de para todo mau porquê haver cura, para todo doloroso passado existir remédio.
Esta é a razão para que, apesar de minhas tristes incompletudes, eu não desista de buscar verdade definitiva para a tal pergunta.


Mergulhão

18 de jun. de 2012

Do te ter e não

É tão simples sentir. Basta vontade. Assim me perco pensando em ti. Imagino teu rosto em minhas mãos. Manipulo tua boca. E te prendo contra mim; em mim; por mim. E te puxo pelo desejo em apelo por um beijo. Uso tua boca. Abuso, na verdade. Recíproco, porém. Há tentativa em fundir os corpos, que, no fim, só mais ardor causa. Vale a pena que é doar-se. Vale, sim. O único transtorno é a realidade. Pois por punção te quero. Mas com dor então em ti me permito pensar. Quem me dera eu pudesse te fazer crescer em nós. E te ajudar a abrir olhos não mundanos. E te lançar à infinda sorte do realmente ser. Eu te tomaria pelas asas. E alimentaria tua enfim reconhecida necessidade de mim. E me alimentaria da essência tua; agora minha; agora nossa! Mas me descubro apenas pensando em ti. Porque a vontade de sentir é simples. E me encerro ao canto do instante que existiu. E me calo para não mais acordar os passarinhos.

Mergulhão

Linhas iguais


(para os amigos que sabem amar,
independente de órgão, posição ou gozo)

Beijo azul,
olhos latentes,
suave ardil do prazer.
É pena e atração:
vem da dor a pena;
mas da cumplicidade, atração.
De mesmo amor não mais imberbe
agora madura carícia igual.
Complementação em abraço másculo;
dos dois, o viril ósculo.
Quando rijo, amor expele;
então pleno, em gozo explode.

Desde Lesbos,
o veludo em toque.
Os róseos túmidos brotos
de um peito ardente.
É côncavo sexo interior
posto que amor que recebe;
é doce entrega divina
já que por Vênus e Ísis
amparada se faz.
Um gemer-menina
de almas femininas
que só "frágil" corpo igual traz.

Mergulhão

tinta em papiro


Pincelada

Num céu muito alvo, de nuvens diamantinas,
as brisas dançam, tão rosas e serenas.
(São minhas folhas, sem linhas, em branco,
à espera de letras, com as quais sempre brinco).

No céu cristalino, de nuvens transparentes,
ventos d’ouro do oeste se chocam com os lestes.
(São as fontes bem-vindas da inspiração,
que vêm, todas puras, ao meu coração).

Logo pontos cinzentos o ar já coalham,
por todo o firmamento com pressa se espalham.
(São as palavras que correm à ponta do lápis,
tornando real o que me deixa feliz).

Chuva prateada não tarda a cair.
Azulada e turquesa, anil a fluir.
(São as lágrimas minhas que molham o papel,
diante da alegria da essência do possível).

Então vermelhíssima ave aparece.
Deixa–me confuso, a alma entorpece.
E de tão grandiosa, por todo o céu vagueia.
(O que seria?)

Pincelada II

Sentado em raízes de puro marfim,
de tronco castanho, folhas esmeraldas,
eu sinto o orvalho das flores molhadas,
a brisa bem fria chegando até mim.

Onda amarela de um rio com espumas
detém-se na areia que o branco irradia.
Consigo ouvir a etérea melodia
do ferver entre ambas, de notas algumas.

Ao longo aprecio o deitar de uma tarde.
Horizonte em terna harmonia mesclado,
de azul que aos poucos se torna pesado
com rosa ou dourado ou vermelho que arde.

E no meio de doce mistura tão linda
apresenta-se o sol que então vai embora,
em seus últimos raios laranjas demora,
mas traz o conforto do calor ainda.

Eis que reina o escuro veludo da noite.
Estrelas de bronze que acendem e apagam
ao lado das nuvens cinzentas que vagam
no negro cenário do enorme diamante:

Ah, Lua... brilhante e redonda e lavada de prata!
Jogue-me a cascata de seu véu diáfano
e embale-me a cores de um sonho sereno.
Tire o tom da tristeza que a vida só mata.

Pincelada III

Vinho tinto em linho branco.
Vermelho-sangue em lençóis alvos.
Grito agudo em noite escura
como dourado em prata pura
de um mesclado fulgurante
nem tão mesclado ou todo brilho.

Assim foi-se amor maduro
que antes refulgia rosa
e emanava claro azul.
Mas tempestades cinzentíssimas
obscuramente negras
escureceram tonalidades.

Negrume antes cristalino,
opaco outrora diáfano,
gris um dia diamantino
agora totalmente baços.
Nunca mais tão transparentes.
Nem meio-tom, mas cores mortas.

Tragédia a sombras ocultas
de marrom em morto mármore,
ônix indestrutível.
Escuríssima fatalidade
mais que simples ou translúcida,
agora somente letal púrpura.

Pincelada IV

O morrer da noite:
abaixo do negro reinante
que antecede o cinzento,
existe o obscuro portento
da gema em prata brilhante.

O nascer do dia:
de gris a um azul, irradia.
O claro bem lento aparece,
em ponto amarelo já aquece
anil de perfeita harmonia.

O crescer da tarde:
vermelho latente que arde,
laranja que explode em calor
no branco de invisível dor
que enceguece e queima e invade.

O crepúsculo:
índigo e verde esmeralda num ósculo.
Lilás topázio em magenta se torna.
Um último raio dourado adorna
o céu antes alvo, escuro num pulo.

O reinar da noite:
escuridão nada fria ou temente,
em madrugada que serve de império
ao diamante de doce mistério,
a começar ciclo de cor vivente.

Pincelada V

O céu ametista chorava granadas.
No chão, somente poças turmalinas.
A terra que antes de marrom só brilho
tornou-se rubi afogado em vermelho.

As brancas nuvens de alvo cristal,
agora jazem num cinza metal
e aos poucos viram tão negras e escuras
que ao seu lado sombras ficam puras.

O sol e a Lua num mesmo sentido
desmancham-se em grosso filete dourado
e em pingos de prata não mais fulgurantes,
pendentes no ar de negrumes bem tristes.

As folhas de vida em jade e esmeralda,
alternância de verde tão bem misturada,
ficaram densas em limoso lodo
da raiz ao tronco já enegrecido.

Morre então a vida em breu.
Sentimento em nuanças descoloriu.
Deixam calados gradação e matiz
o mundo em tela que mal não fez.

Pincelada VI

Tudo está bruno;
o espelho das águas, escuro.
O ar ao redor, negro puro.
Nenhum resquício albino.

Instantes depois o diamante
surge em alma cristalina,
véu de uma cauda argentina
e prateado brilhante.

O cinza explode sozinho,
ao breu de todo contrário:
um fulgurante mercúrio
como metal bem clarinho.

Porém, nuanças passaram
e o reinado obscuro
tornou-se então amarelo
e transparentes ficaram.

Tudo fica breno;
agora a essência, vermelha,
de um laranja em centelha
queimando dourado pleno.

Como rubi trescaldante
logo violeta se torna,
magenta, púrpura morna.
Crepuscular refulgente.

Mas tonalidade em vida
não cessa e de novo nasce,
morre e de novo rompe-se
em profusão colorida.

Pincelada VII

O vítreo céu de pérolas quebrou sobre mim.
Chuva diamantina caiu em brilho.
Vi estrelas despencando do firmamento,
batendo no chão e por divisão crescendo.

Oceanos turquesas inteiros secaram num átimo
mas logo voltaram por todos os lados
em extensos filetes anis correntes, flutuantes
como gigantesca teia azul de aranha-mundo.

A magnitude verde dança à brisa suave
e tudo ao redor fica coalhado de folhas,
essência verde e vermelha e amarela
pairada no ar em mistura de tons.

Lua e sol difundem seus raios,
fazem prata e ouro em aquarela,
cabelos em caracóis e cachos
de perenes fios metálicos áureos.

Pincelada VIII

A esmeraldina luz de seus olhos
opaca fica quando o vermelho quente
inunda nossos pés.
Vejo seu corpo alvo não mais
aguentar a dor mais que física
e estatelar-se na relva de verde vivo.
Então sua cabeça dourada pende
e o sorriso ofuscante se apaga.
Uma gota de lágrima em mais puro anil
percorre seu rosto, agora branco e frio
e perde-se em seus lábios de escuro rosa.
Somente o azul céu fica por testemunha
pois nem a triste chuva cristalina
consegue levar embora o suplício.
Mas não adianta:
ela jaz em rubi letalmente brilhante.

Pincelada IX

Lindíssima vida escura.
O negrume do nada irradia
e enceguece quem o contempla.
A essência do negro explode
em escuridão perfeita.
Se a treva fosse cor,
beirando grafite seria.
Se a morte fosse dor,
a noite imitaria.
Lindíssima vida escura.

Mergulhão