25 de dez. de 2013

De Eros, a ti

Se amor te encabula
e não te é ainda
amor sem vergonha,
faça-o de costas;
de quatro
às sete.
Usa tua boca:
suando grita
ao passarinho,
à periquita,
ao pinto ao lixo
que essa tal dor
 que mata amor,
diz o poeta 
é bom prazer,
é bom lazer,
é bom fazer,
é bom de ter
desde que seja
só tu em mim,
eu cá em ti
berrando “Sim!”.

Mergulhão

Hoje a saudade me surrou

Cheirei teu livro cor de pergaminho;
o anverso tatuado por tua letra.
Abracei tua camisa brega
já bêbada por tanto perfume teu
que lá entorno para o vidro não murchar.
O disco ficou rouco.
Jamais guardei a outra taça.
Duas escovas ainda se namoram à pia.
Imprimo a mesma foto
toda sexta às três da noite;
não há mais parede-porta-retrato.
Teu sapato esquerdo jaz imóvel no tapete;
o direito escapou pela janela
no dia em que explodi falsetes.
Faço aquela broa rotineiramente,
aquela do teu gosto com café
 e olha que eu nem como broa, sabia?
Sabia, claro: sou transparente.
Ao menos o fui até pintar-me opaco
ao te ver partir-se em mil buracos
quando voaste porta afora mundo adentro.

Mergulhão

23 de dez. de 2013

Grão de amor

Eu sou um grão de mostarda.
Há muito procuro um amor que caiba em mim.
Todos com os quais colido são enormes.
Soberbos porque sobram.
Oceanamente cheios de si sem dó.
Escorrem pelos cantos de meu mudo coração redondo.
Poucos gostam de mostarda.
Insensíveis que não se permitem o queimar da língua.
Quando Cupido acerta, a seta transpassa.
Perfura o corpo sem flechar a alma.
Então dizem que amam sem querer se germinar.
Eu sou um grão de mostarda.
Prefiro ser pequeno a estar orbe grande oco.
Semeio amor devagarinho pra que dure outra estação.
Por que vaso gigantesco se o amor floresce em gotas?

Mergulhão

21 de dez. de 2013

Laços

À mesma mesa:
a velha pinga
ao Zé garçom.

A mesma amada,
a flor e o beijo
ao sol nascer.

A mesma rota
ao feriado
à parentada.

A mesma sorte
à Mega-Sena
a cada quarta.

A mesma rua,
as saudações
aos bons vizinhos.

A mesma fé
ao fiel deus
a te aprazer.

A mesma honra
ao triste amigo
a acalentar.

A mesma força
ao vil espelho
a envelhecer.

Há mesmo amor
ao se propor
à vida ater-se.

Mergulhão

17 de dez. de 2013

O segredo

Por mais que tentemos achar toda a beleza,
a graça e a sutileza presentes no dom de viver,
jamais vamos poder encontrar a resposta
que teima e assusta por não ser admissível:
Como é possível discutirmos nossa existência?
seria errada insistência, vã ou sem nexo
de um ser perplexo sedente à questão?
Mas claro que não! É absolutamente normal,
humano e racional deste ponto tratar.
Mas para quê decifrar então este enigma?
Uma lágrima pode esconder mais coisas,
ou vermelhas rosas, mais ainda.
Quem sabe a nota linda de uma doce melodia,
ou o nascer do dia, infinito império do sol.
Quem sabe o arrebol de uma aurora que surge,
ou o tempo que urge e apressa a gente.
Quem sabe a noite que cai e traz a Lua,
grande, prata e nua, única como lhe cabe.
Quem sabe, quem sabe... enfim,
responda, você, a mim: a vida não seria
pura melancolia, se todos soubessem a sua verdade?
Então, meu amigo, por caridade, sinta-a deste modo mesmo.
Não digo que a esmo, mas do jeito simples.
Que ames viver, pois amando sobrevivemos,
por mais que tentemos achar toda a beleza,
a graça e a sutileza presentes no dom de viver.

Mergulhão

O episódio do sumiço poético

Não! Por quê, Deus meu?!
Por que ocorre somente comigo...
Contarei a você (que não sou eu),
você a ler deste outro lado, amigo.

Começo por meu nascimento
que tanto me dá alegria:
cheguei a este mundo torto e imperfeito
no exato dia da poesia.

Desde então pus-me a sentir
a essência das palavras
e a linguagem definir
como vida em íntimas letras.

Cálculos não eram a mim,
logo, descobri-me amar.
Quem? Ora quem?! Poesia, sim!
E a história prossigo a contar.

Depois de nos conhecermos,
vivemos mil contos bonitos.
Tempos irrelevantes passamos
neste romance-destino já escrito.

Sentimento mais que profundo,
foi a perfeita união.
Pois a cada hora e segundo
surgia complementação.

Juntos tivemos poemas,
semântica humana e divina.
Fizemos odes, elegias, rimas,
o que a inferência domina.

Porém, eis que acontece,
cruel e inexplicavelmente:
a mutualidade esmaece
não se sabe mais o que sente.

Oh, leitor amigo, e agora...
Minha Poesia sumiu!
Não sei se largou-me, foi embora
ou perdeu-se, fugiu...

Não sei o que fiz para isto,
se a magoei sem sentir.
Só sei que a ela eu existo
e seria incapaz de a ferir.

O fato é que o fato se deu.
Nem uma sílaba ela deixou.
Meu ínterim todo sofreu
e a graça em viver se apagou.

Volte, Poesia! Eu imploro!
Dê-me seu amor e socorro.
Pois junto a lápis e folhas eu choro,
sozinho, por dentro, aos poucos, eu morro...

Mergulhão

Mia Dama

Mia bela Dona
põe-se a me pisar.
Que faço eu agora
sem mia Senhora
saber que é a madona
que vivo a amar?

Mia doce Alma
não olha p’ra mim.
Que faço eu agora
sem mia Senhora
ouvir esta clama
sem não e sem sim?

Já montei cavalo;
no punho há espada.
Mas mia Senhora
não me quer agora.
E fico vassalo
da vã dor do nada.

De seu palacete,
canto versos meus.
Mas mia Senhora
não me quer agora.
Nem ramalhete,
rosa em camafeus.

Mia pura Moça
esquece que vivo.
Que faço eu agora
sem mia Senhora
fazer qu’eu não possa
ser fiel escravo?

Por mais qu’essa luta
não passe mui disto,
mia jovem Senhora,
um dia, a sua hora,
retira-me a coita
pela qual existo.

Mergulhão

16 de dez. de 2013

Perdão, seu padre

Perdão, seu padre I

Pois anjo de luz eu me faço
e serpentes eu caço ao meu
bel prazer.

Perdão, seu padre II

Se tento manter a pureza da frente
teimando, herege, no (b)ônus
detrás.

Perdão, seu padre III

Se honro fazer-me bendito fruto
e, logo, a todos, eu dou
de comer.

Perdão, seu padre IV

Juro celibato
e germino sementes em virgens
ventres.

Perdão, seu padre V

Se teimo buscar a verdade,
mas iniquidade me dá mais
lazer.

Perdão, seu padre VI

Se língua de anjo abomino,
mas mui dissemino a do
abandonado.

Perdão, seu padre VII

Se em últimas jantas eu me permito
beber sangue-vinho
até emborcar.

Perdão, seu padre VIII

Aprendi desde a materna teta
o sacro-ofício de filho
de puta.

Mergulhão

na imensidão de um só

cansado de uma cama inteira
cansado de só um à mesa
vida dividir sozinho
horas passar sozinho
à varanda vendo cair chuva
e ter de se aquecer com calor próprio

cansado de esperar não se sabe em vão
cansado de inventar delírio
vinho beber sozinho
fim de tarde ver sozinho
contemplando o sol se pôr
e novamente aqui ficando

cansado de aceitar-me assim
cansado da demora em crer
planos fazer sozinho
silêncio absorver sozinho
abraços de desconhecidos
afagos de consolação

cansado de buscar porquê
cansado de fingir viver
amar Lua sozinho
à noite fria sozinho
só os livros mudam à cabeceira
o mesmo sorriso no espelho

Mergulhão

Amor à nossa gramática

Meu coração é teu adjunto adnominal
e teu pronome é só meu
já que sou tão possessivo.
Deixemos de lado a forma culta de amar
e nos entreguemos à arte do coloquialismo amoroso.
Não seria bem menos complexo
ou um tantinho mais compreensível?
Tentemos o amor deste modo
assim nosso, assim solto e libérrimo.
E, contrariando o amigo poeta:
posto que é chama, seria infinito
para todo sempre e não somente até quando durasse.

Mergulhão

Eterno ciclo

Palavras jogadas ao vento
ao céu não demoram a chegar
e lá se desmancham em nuvens
em lascas chamadas letras
as quais os anjos rebatem
de mui lampeira vontade
lançando-as de volta aos homens
que as reagrupam e as usam
de modo que o céu novamente
transbordará em
palavras jogadas ao vento.

Mergulhão

12 de dez. de 2013

Mizade

Amigo só é amigo quando manda
pra puta que pariu,
calar a boca,
se foder,
tomar no cu.

Variantes:
casa do caralho
e inferno.

Mergulhão

P.s.: amigo cumpre.

11 de dez. de 2013

Verbo triste

A tristeza é.
Se ela ao menos estivesse,
ficaria mais um chá
e dois bocejos.
Dos muros que me cercam vida,
ela teima então concreto ser
e ignora meu desejo estar.


Mergulhão

8 de dez. de 2013

Edital do 1º Prêmio Poético do Grupo P&P



Edital do 1º Prêmio Poético do Grupo Pena & Pergaminho:

O Pena & Pergaminho é um independente grupo de discussão sobre e de apresentação de poesia, poema, prosa etc. voltado a quem ama e produz literatura. Nascido em fevereiro/2012, em Macapá/AP, o P&P atua nos cenários artístico e literário amapaenses. Seus integrantes se encontram às primeiras sextas-feiras úteis de cada mês a partir de 20h no Centro Cultural Franco-Amapaense, orla de Macapá/AP. Entrada franca e garantia de muita arte!

Face:
https://www.facebook.com/groups/penaepergaminho/

1 de dez. de 2013

Chico Chicote e a certeza do desequilíbrio

Veja só, eu lembro dele e sinto saudades, era um grande amigo, era um irmão, acho que nunca esquecerei de como ele fez a minha infância mais feliz, não sei das outras crianças, mas, eu não tive amigos humanos até completar 10 anos, na verdade, acho que a maioria eram só de amizades aparentes, pelo menos as que fiz na escola fundamental.
Só no ensino médio eu devo ter encontrado amigos de fato, antes disso, não sei, porém, tive grandes amigos caninos, e o melhor dos amigos, o meu mais querido irmão que me fez companhia dos 6 aos 8 anos se chamava Chicote, mamãe o chamava de Chico e lhe dava bananas, eu o apelidei de Biscoito porque ele adorava comer biscoitos comigo, ele era um macaco prego de pelagem preta lustrosa com marcas marrons e lindos olhos amarelados.
Acho que ele me adotou quando chegou em casa, meu irmão o trouxe após voltar de uma caçada na densa floresta que fica ao redor do meu sítio, ele era um filhotinho e eu uma menina estranha, formávamos uma bela dupla. Lembro das crianças caçoando de mim por andar sempre com o macaquinho no ombro para todo canto no sítio.
Ás vezes, quando penso no meu querido Chico, lembro que poderíamos ser o título de um livro: O macaco e sua menina. Ele cuidava de mim, e eu o amava da forma mais pura que uma criança pode amar. Naquela época eu costumava subir em árvores com ele e brincar por longas horas sem nunca sentir tédio, o olhar dele era de um brilho sem igual, tenho certeza que o seu olhar me transmitia paz e alegria.
Hoje, depois de muito tempo senti uma pontada no coração ao lembrar dele, senti uma saudade imensa e cheguei a chorar, não sei mais se ele está vivo ou morto, deve estar morto, já faz tanto tempo desde a última vez que o vi, o Chico foi tirado de mim quando uma de minhas primas apareceu no sítio e quis comprar o meu amigo para ser o bicho de estimação dela, meu irmão o vendeu e eu chorei por muitos e muitos dias, e depois esqueci dele.
Afinal, eu era muito nova e crianças esquecem logo das tristezas e pensam que logo tudo vai se resolver, mas, quando visitei a chácara do meu tio aos 9 anos pude ver o Chico preso numa gaiola de ferro, fiquei chateada por ele estar preso e quando tentei soltá-lo para poder abraçar o seu corpinho magro e familiar ele avançou para me morder e quase arranca um pedaço da minha mão direita, nesse momento percebi que o meu amigo havia morrido da pior forma possível.
Ele não era mais o mesmo, não me reconhecia, estava agressivo por ter começado a viver numa gaiola, eu nunca havia prendido ele antes, pelo contrário, quando Chico vivia no sítio comigo eramos irmãos de verdade, ele nunca foi meu bicho de estimação, sempre foi meu grande amigo.
Ver o novo Chico me deixou desolada, pensei em como teria sido se a minha prima nunca tivesse comprado o meu amigo, e ele continuasse comigo no sítio brincando e sendo livre, nesse dia eu também morri um pouco ao descobrir como o ser humano pode transformar vidas de animais e pessoas e nem se abalar ao destruir os elos que unem o ser a natureza do ser.